Estudo apresentado no IX Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Luanda, 28 – 30 de Novembro de 2006. Por Benedito Cangeno, Bacharel em Teologia e Doutorante em Filosofia na “Hochschule für Philosophie”, Munique, Alemanha.

A COLONIZAÇÃO COMO CAUSA DO SUBDESENVOLVIMENTO DA ÁFRICA NEGRA. O CASO DE ANGOLA

INTRODUÇÃO

A pergunta sobre o “porquê” do actual subdesenvolvimento da África Negra e dos Negros em geral é uma questão que sempre me apoquentou. Convencido de que um problema não se pode resolver, sem antes se lhe conhecer a causa, decidi dedicar algum tempo de pesquisa a esse assunto, e pude chegar à constatação pessoal de que a colonização é a causa histórica do subdesenvolvimento da África Negra, em três dimensões: primeiro: A colonização aboliu violentamente o sistema socio-político e económico tradicional de África; segundo: A mesma colonização destruíu a auto-estima do Negro pela escravatura e pela ideologia rácica de que ele (o Negro) é inferior ao branco; e depois – terceiro e último – o regime colonial abandonou a África, deixando atrás de si guerras latentes ou mesmo já acesas. Por essa razão, dei a este meu breve estudo o seguinte título: “A colonização como causa do subdesenvolvimento da África Negra. O caso de Angola”. A minha apresentação, como se pode depreender do título, terá como ponto de enfoque o caso de Angola. Dito isto, passo a expôr o desenvolvimento dos 3 pontos ora enunciados, depois do que farei algumas breves considerações à guisa de propostas de solução e perspectivas.

1. DESESTRUTURAÇÃO E DESORGANIZAÇÃO SOCIO-POLITICA E ECONÓMICA

As comunidades humanas daquilo que hoje se conhece como a África Negra possuíam já antes da colonização não só uma estrutura e organização socio-política e económica próprias e em funcionamento, como até já mantinham intensas relações de política e de comércio internacional com outros continentes. Nas ruínas do Grande Zimbabwe, que até ao séc. XV florescia entre o Zambeze e o Limpopo, foram assim encontrados vestígios de jóias indianas, bem como de porcelana chinesa („Great Zimbabwe“, Microsoft® Wikipedia® 2006). Outra informação curiosa, mas significativa dá conta de que na sua legendária peregrinação a Meca, no Séc. XIV, o Rei do Mali, Kankan Moussa, terá deixado uma tal quantidade de ouro no Egipto, que o mercado de devisas daquela região teria entrado em descontrolo, reestabelecendo-se apenas ao cabo de 7 anos („Mali“, Microsoft® Wikipedia® 2006). De resto, os Reinos e comunidades humanas da África Negra possuíam já a sua divisão administrativa própria, as suas Monarquias, e todas as estruturas tradicionais de Direito, Finanças, Comércio, Economia e naturalmente também de Defesa e Religião.

Foi a organização socio-política tradicional africana que a colonização começou por destruir, inter-rompendo assim desde o seu início o desenvolvimento histórico de África:

  • as autoridades comunitárias tradicionais foram substituídas por autoridades coloniais ;
  • a ordem política tradicional cessou, ficou relegada a uma esfera puramente étnico - cultural e, foi, consequentemente, impedida de funcionar e de decidir sobre politica e administração;

  • a autoridade colonial assumiu o governo dos territórios africanos agora reduzidos a colónias, monopolizou o poder máximo na política, na administração e na economia, chamando a si o controlo directo da política de impostos, do poder judicial, da polícia e do exército.

    É claro que no exército, por exemplo, também os nativos podiam ser recrutados para a guerra, mas não para postos de importância. No caso do exército português em Angola, o posto mais alto concedido aos então chamados indígenas até 1975 era a patente de 2º Sargento (F. Bridgland: 1988, p. 252). Outras características completavam o processo da redução dos colonizados à condição de subalternos ou de mão-de-obra, mas nunca de dirigentes: o Comércio interno e externo passaram à tutela colonial na pessoa dos funcionários do império, de empresas fretadas para o efeito ou de companhias coloniais especializadas. A Colónia cessou de exercer política externa (J. Osterhammel: 2003, p. 25).

    Com estes exemplos e muitíssimos outros que podia enumerar, pretendo mostrar como a colonização abortou a experiência de governo e adminstração socio-política e económica que a África vinha fazendo, e substituíu-a violentamente por um sistema de governação estranha ao povo e à sua cultura. Essa prática colonial levou a que não se acumulasse ou fosse interrompida na África Negra a acumulação daquilo a que eu, recorrendo à terminologia de C. G. Jung, gostaria de chamar de “saber colectivo inconsciente”. Na esteira desse psicólogo, gostava assim de afirmar que o jazigo de experiências positivas e negativas que um povo faz influencia e molda (até) mesmo as gerações que não fizeram pessoalmente essas experiências. Aplicando este postulado à questão da governação, e se me posso exprimir assim, direi: a experiência positiva (ou negativa) de governação acumulada por um povo ao longo dos anos, molda as gerações futuras desse povo, até de maneira inconsciente (para o bem ou para o mal). No caso da África Negra, a colonização desorganizou e desintegrou o tipo de estrutura que os africanos sabiam governar e administrar, e impôs (e mais tarde deixou) em seu lugar um sistema estranho, em cujo governo – pior ainda – os africanos nunca tinham sido autorizados de participar. Para dar o exemplo de Angola, esta experiência de governação estava no seu início quando foi abortada pela colonização. Ela tinha começado por volta do ano 1370, um dos anos em que algumas fontes acreditam se ter fundado o Reino do Congo (“Kongo Reich”, Microsoft® Wikipedia® 2006) e foi abortada 112 anos depois, em 1482 com a colonização (ou presença colonial) portuguesa, e foi retomada 500 anos mais tarde, em 1975, portanto há apenas 31 anos. Diante deste quadro e antes de partir para o ponto seguite da minha exposição, gostaria de perguntar: quando, onde e como queremos que, neste caso particular, os angolanos tivessem aprendido a governar um país?

    O que eu chamei de „saber colectivo inconsciente“, para abrir um parênteses, pode ajudar a explicar, a meu ver, a rápida recuperação de países chamados desenvolvidos, mesmo depois de uma grande crise. A Alemanha, por exemplo, é um país que em 1945 estava completamente reduzido a cinzas. Hoje, depois de apenas 61 anos, a Alemanha deu um salto de desenvolvimento que nenhum país africano dará ou deu ao completar 61 anos de independência.¹ É que em 1945, a Alemanha já possuía mais de mil (1000) anos de tradição nacional, isto é, 1000 anos de experiência de governação, sem que essa experiência e tradição tivessem sido alguma vez abolidas ou substituídas por modelos estranhos.² Por outras palavras, a Alemanha foi sempre governada pelos próprios alemães, o que permitiu que se acumulasse no "inconsciente colectivo alemão" uma experiência de governação, da qual, digamos assim, vão aurindo as gerações presentes e futuras de governantes e dirigentes políticos daquele país. Neste contexto, o problema é para a África Negra, a meu ver, de dupla gravidade: é que não só a colonização provocou um vazio em termos de experiência de governação, como também, pior ainda, o “inconsciente colectivo” da África Negra vai sendo agora preenchido por um modelos de gestão política infelizmente abaixo da média, e são esses modelos que vão plasmando as actuais e futuras gerações de governantes africanos.

    Um dos maiores esforços da «inteligentsia» e dos teoristas da política colonialista foi erigir um constructo ideológico, para sustentar e justificar o comportamento colonial. Mais adiante tentarei depreender alguns dos principais efeitos psicológicos dessas fabricações teóricas na questão do subdesenvolvimento do homem Negro Africano. Segundo um dos pilares desse constructo, o homem Branco tinha com relação aos colonizados em geral e aos Negros em particular uma missão civilizadora e um dever de tutoria (Raoul Girardet: 1979, p.136-138). De acordo com a caracteriologia desse edifício ideológico, o colonizado era por natureza rude, ingénuo, imoral, falso, impulsivo e até brincalhão. Mas o estigma maior do colonizado aos olhos do colonizador era a preguiça, e a sua incapacidade para o exercício e o pensamento abstractos; ou seja: a incapacidade de se dirigir e governar a si mesmo. A colonização passava assim a ser um presente e um acto de graça do colonizador (J. Osterhammel: 2003, p. 116). Na sua teoria sobre o “Duplo Mandato”, Lord Luitgard fará as honras deste constructo ideológico e escreverá: “O dever de tutoria das ‘raças superiores’ é imprescindível em todos os domínios; politicamente: porque os Africanos são incapazes de se governar a si mesmos, e os Asiáticos só lentamente se desintoxicarão das suas despóticas tradições; economicamente: porque a moral de trabalho e racionalidade comercial têm de ser primeiramente inculcadas; culturalmente: porque eles não se podem libertar com a sua própria força e inteligência dos seus vícios, das suas concepções supersticiosas e da sua falta de carácter” (citado por J. Osterhammel: 2003, p.115).

    Com este tipo de ideologia foi selada a exclusão quase total dos Africanos do aparelho central de governação e se justificou a sua redução à condição de mão-de-obra. Esse comportamento colonial, que se seguiu à destruição dos fundamentos do sistema de governação e administração tradicional, é para mim a causa histórica principal do actual subdesenvolvimento da África Negra. Os Negros foram sempre infantilizados e impedidos de pensar. Aplicando esta leitura novamente ao caso de Angola, diria o seguinte: durante 500 anos, não foram os angolanos a governar Angola, porque julgados incapazes de se governarem a si mesmos; por isso, não se acumulou no país saber, experiência e tradição de governação. E foi nessas condições que os primeiros nativos angolanos assumiram em 1975 o governo do país. Que ideia – gostava de voltar a perguntar -- podiam pois eles ter de política e de gestão de um estado? Voltarei mais adiante a essas considerações, aplicando-as à generalidade dos estados pós-coloniais da África Negra.Outro domínio vital em que a colonização ditou o subdesenvolvimento da África Negra através da mesma política de desestruturação foi a agricultura, que era a base do sistema socio-político e económico tradicional. A colonização agiu, por um lado, através do método predador, rapinando o povo para a escravatura, causando o abandono quase total do cultivo da terra e abortando deste modo o desenvolvimento manufactural ( “Kolonisation”, Microsoft® Wikipedia® 2006). Voltarei a referir esta questão ao aludir mais à frente ao Reino do Congo. Por outro lado, o sistema colonial apossou-se violentamente das terras do povo, e os antigos produtores tradicionais viram-se do dia para a noite reduzidos à condição de mão-de-obra para as firmas e fazendas coloniais. Como pode hoje estar desenvolvido um povo tradicionalmente agrícola, impedido, durante 500 anos, de governar a sua agricultura? É certo que, no caso de Angola, o país produzia e exportava milho, café e sisal; mas era mesmo Angola que produzia e exportava? Não será mais racional dizer que era Portugal que conseguia fazer render bem a colónia de Angola , usando para tal ao máximo a massa de contratados e de mão-de-obra indígena?

    Exemplos perfeitos de imposição do sistema colonial de governo e seus modelos, e a consequente desintegração e desorganização das estruturas socio-politicas e económicas tradicionais, encontramos no Reino do Congo, como pude anunciar mais acima. Aqui esta desestruturação começou com práticas aparentemente inofensivas, como a substituição do nome de Mbanza Kongo por S. Salvador, concomitamente com a abolição dos nomes tradicionais dos Reis e a sua substituição por nomes portugueses (João I em vez de Nzinga a Nkuvu; Afonso I em vez de Mwemba a Nzinga; Pedro I em vez de Nkanga a Mwemba, etc., etc.). Em 1526, 44 anos depois da chegada de Diogo Cão à foz do rio Zaire, o Reino do Congo já estava mais do que dominado pelos portugueses, tanto assim que o Rei Mwemba, entretanto rebaptizado Afonso I, já tinha tomado uma primeira atitude heróica, tentando expulsá-los do Reino, revoltado contra a avidez dos colonizadores e com a violência dos comerciantes de escravos, que já não distinguiam entre captivos, homens livres e até nobres (“Kongo Reich”, Microsoft® Wikipedia® 2006). Um testemunho histórico que citarei mais adiante servirá de ilustração para a grande intensidade com que já nessa altura o tráfico negreiro era praticado. O acontecimento político decisico para o Reino do Congo dar-se-á todavia em 1569, com a célebre invasão do Reino pelos Jagas. Os portugueses regressam ao Congo, desta vez oficialmente, solicitados pelo Rei Mpangu a Nimi Lukeni lua Mwemba (agora rebaptizado Álvaro I), e este foi o fim do Reino do Congo. Politicamente, Portugal submeteu o Congo à condição de vassalo, com obrigação portanto de pagar tributo, e revogou o estatuto de Reino igual a Portugal. Economicamente, Portugal passou a ter as portas abertas para despovoar o Congo através do seu método predador (“Kongo Reich”, Microsoft® Wikipedia® 2006), o que, conforme já aludi acima, será uma das maiores causas do subdesenvolvimento do território que mais tarde será Angola, já que levará ao abondono quase total da agricultura e da produção manufactural. O Reino do Congo voltará a ressurgir no ano 1793, mas não passará de uma instituição puramente étnica e cultural ( “Kongo Reich”, Microsoft® Wikipedia® 2006). O que tentei fazer até agora, partindo do caso de Angola, foi exprimir a minha convicção com respeito às causas históricas do subdesenvolvimento da África Negra, causas que eu resumiria da seguinte maneira: 1. O sistema e os modelos socio-políticos e económicos tradicionais de África foram destruídos, desestruturados, desintegrados e substituídos (violentamente) por um sistema socio-politico e económico colonial, estranho à África; isto matou a experiência de governação que vinha crescendo nas comunidades humanas tradidionais africanas, e impediu a acumulação do que eu chamei de “saber colectivo inconsciente”; 2. Os Africanos não aprenderam a governar nos modelos do estranho sistema imposto e mais tarde deixado pelos colonizadores, já que nesse sistema eles não passavam de mão-de-obra e de colaboradores inferiores. O colapso da África Negra e a deterioração depois das Independências das infraestruturas deixadas pela colonização é, a meu ver, expressão daquilo que eu, com a ajuda da linguagem filosófica, chamaria de ignorância não culpável. Já aludi mais acima ao tema da escravatura e voltarei a referir-me a ele brevemente sob um outro ângulo. Antes de o fazer, gostaria de inserir aqui, porém, uma breve consideração. Um dos argumentos a que frequentemente se recorre, para tentar minorar o mal dessa mesma prática é que, primeiro: a escravatura já se praticava em África antes da colonização europeia; segundo: as próprias tribos africanas alimentaram o tráfico esclavagista, vendendo também elas escravos aos colonizadores. No caso de Angola, são na verdade conhecidos episódios de Reis que, depois da chegada dos portugueses, vendiam ou trocavam os seus escravos por armas de fogo e outros bens. Ambas as afirmações são verdadeiras, mas não se podem admitir sem crítica. Primeiro: o tráfico negreiro colonial não tem comparação possível com o tipo de escravatura pré-colonial. No séc. XVIII já havia nas Ilhas Caraíbas cerca de 3.300.000 escravos, transportados maioritariamente da África (Philip D. Curtin: 1960, p. 268). Nunca os Africanos entre si tinham antes traficado tanta gente. Por outro lado, os ‘escravos’ africanos eram mais propriamente ‘captivos’, expressão, portanto, com carga política e militar, devido à sua condição de prisioneiros de guerra ou de prevaricadores da ordem moral, com possiblidade no entanto de serem amnistiados e constituirem família, ou mesmo de serem postos em liberdade, no caso de o reino de origem vencer na guerra (M. Kalemba: 2004, p. 34-35 ). Segundo: o fenómeno da venda de escravos por africanos aos colonizadores enquadra-se, como explica um autor, numa estratégia própria de uma relação colonizador - colonizado. O primeiro, o colonizador, incentiva e alimenta práticas colaboracionistas, a fim de que a consumação dos seus interesses se faça com o menos de resistência possível da parte do colonizado; este, o colonizado, que vê o seu estatuto social, a sua ligitimidade política e até mesmo a sua existência física ameaçadas, descobre nisso, por sua vez, uma possiblidade (estratégia) de sobrevivência. É por isso que a prática da venda de escravos por africanos não se aplica a mais ninguém, senão às elites pré-coloniais (J. Osterhammel: 2003, p. 73-74).

    A África Negra comparada com ex-colónias hoje desenvolvidas

    Uma certa literatura sobre políticas de desenvolvimento pretende ilibar a colonização como causa do subdesenvolvimento da África, recorrendo a exemplos como América do Norte, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, e também África do Sul, que, apesar de também terem sido colónias, são hoje países desenvolvidos. Outras fontes da mesma literatura tendem a acentuar a crise da África Subsariana, comparando-a com o relativo desenvolvimento da África do Norte, uma comparação nem sempre livre de insinuações de côr e de raça, ou seja: A África ‘branca’ é desenvolvida, e a África Negra é subdesenvolvida.

    A esta questão tentarei dedicar o apontamento que se segue. A América do Norte é o modelo perfeito de um “estabelecimento colonial ultramarino” (em alemão: überseeische Siedlungskolonisation). Os habitantes nativos daquele território são, como sabemos, os Índios. A América deixou de lhes pertencer, quando chegaram àquelas terras os primeiros europeus, que eram colonos ingleses, por quem a América foi declarada “terra de ninguém”. Nessa região os ingleses não integraram nem submeteram a população nativa ao poder colonial, mas ou a repeliram para paragens mais remotas ou a exterminaram pura e simplemente, uma vez tida como inapta para o trabalho forçado, no recém-chegado sistema agrícola de tipo europeu (J. Osterhammel: 2003, s. 12). Para os substituir serão depois trazidos escravos, em grande parte da África („Sklavenhandel“, Microsoft® Wikipedia® 2006). Esse modelo de colonização (em alemão, uma vez mais: Siedlungskolonisation) será também aplicado na Austrália (onde os primeiros ingleses chegaram como desterrados) e na Nova Zelândia. Esses colonos ingleses (e não as populações nativas) são a América, a Austrália e a Nova Zelândia desenvolvidas de hoje. O mesmo se diga, a propósito, do Canadá, em que se estabeleceram colonos tanto franceses como ingleses. E é por essa razão que a independência desses territórios não aconteceu através de uma tomada de poder ou expulsão do colonizador, mas através de acordos de separação política dos colonos “emigrantes” com relação ao país colonial de origem (por exemplo, a Declaração de Independência das treze Colónias britânicas, que a partir de 4 de Julho de 1776 passaram a formar os Estados Unidos da América). A citação seguinte ajuda, de resto, a perceber a maneira como de emigrantes e “colónia”, se passou ao que são os actuais americanos, o que também se aplica aos casos semelhantes: “As colónias americanas começaram por ser estacas da Europa e, apesar de etnicamente terem permanecido na Europa, desenvolveram formas socio-culturais de vida, que deixaram para bem atrás de si as suas origens” (David H. Fischer: 1989). Em jeito de regresso à minha argumentação, acrescentarei o seguinte: Estes termos de comparação não servem para provar que a colonização não tenha sido a causa histórica do subdesenvolvimento actual das ex-colónias. Aliás: para termos uma ideia de como a colonização também nesses casos foi causa de subdesenvolvimento, basta olhar para a condição subdesenvolvida das populações nativas desses territórios, ou seja os Índios da América, os Aborígenes da Austrália e os Maori da Nova Zelândia.

    Ao modelo de “estabelecimento colonial” inglesa na América, Austrália e Nova Zelândia, devem acrescentar-se os casos da África do Sul, do Zimbabwe e do Quénia. Isto, porém, com uma diferença fundamental: Enquanto na América do Norte os colonos ingleses surpreenderam uma população nativa de pastores e caçadores, na África do Sul, no Zimbabwe e também no Quénia os mesmos colonos viram-se face a comunidades tradicionais humanas já praticantes da agricultura, o que passou a constituír desde o início não só um factor de dependência do colono com relação ao nativo, mas também motivo de conflito entre os dois. É esta diferença que explica a irreversibilidade da colonização inglesa na América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e Canadá, enquanto na África do Sul, no Zimbabwe e no Quénia se produziram acirrados confrontos rácicos e políticos entre os colonos brancos e as populações negras nativas (Paul Moosley: 1983, p. 5-8).

    Resta agora uma alusão aos países da África do Norte, igual e também frequentemente referidos para acentuar a pobreza e o subdesenvolvimento da África Subsariana, debate que, como já pude fazer notar, nem sempre está livre de insinuações raciais. Ao esclarecimento desta questão, tentarei dar a seguinte contribuição: Quando os portugueses no ano de 1415 chegaram a Ceuta, no Norte de África, já ela (Ceuta) estava sob poder islâmico havia mais de 700 anos (nomeadamente desde o ano 709); de resto, a África do Norte caíu a seguir à morte de Maomé (622 d.C.) rapidamente em poder dos Árabes („Ceuta“ e „Nordafrika“, Microsoft® Wikipedia® 2006). Este facto histórico é decisivo para entender a diferença de desenvolvimento da África do Norte e da África Negra. No confronto com o Islão, as expedições coloniais e as Sociedades missionárias europeias viram-se confrontadas com um movimento e uma força que não apenas conquistava, mas também missionava (J. Osterhammel: 2003, p. 105). Neste sentido, o Islão era de facto e a todos os títulos uma potência colonial concorrente e até em vantagem, porque já estabelecida no terreno. Este facto perservou os países islâmicos em geral e a África do Norte em particular das tentativas de subjugação e também de cristianização. E mais – como diz um autor: lá onde os esforços de missionação e colonização europeia não conseguiram suplantar o Islão, não só não aconteceu a paganização das culturas, como até elas se radicalizaram (J.M. Gulick: 1987, p. 296).

    O que diremos a isto? Eu continuarei desdobrando a minha argumentação, dizendo que a colonização europeia é - sim - a principal causa histórica do actual subdesenvolvimento da África Negra. Se outras também ex-colónias estão hoje mais desenvolvidas do que a África Negra, ou se algumas ex-colónias da mesma África Negra aparentam maior desenvolvimento do que outras, isto deve-se, primeiro: ao número de anos de história, tradição e experiência de governação já acumulada nesses territórios antes do início da colonização europeia; segundo: àquilo que um autor designou de “intenção e estratégia de colonização” (J. Osterhammel: 2003) que foi diferente em cada caso particular; (e isto inclui) terceiro: o tipo e o espaço de coloboração e integração que a colonização permitiu aos colonizados. De resto, como bem disse outro autor, não houve colonialismo, mas sim colonialismos. Por isso, a história do subdesenvolvimento e a questão do desenvolvimento de cada ex-colónia tem de ser estudada como um caso próprio.

    A situação da África Negra na altura das Independências

    Já aludi a este assunto mais acima, ao resumir os factores que, a meu ver, são a principal causa histórica do subdesenvolvimento da África Negra:

  • com o seu sistema socio-político e económico tradicional abolido, desestruturado e substituído (violentamente) pelos modelos socio-politicos e económicos coloniais, estranhos à sua cultura, o que interrompeu a experiência de governação que se vinham fazendo na África Negra, e impediu a acumulação do que eu chamei de “saber colectivo inconsciente”;


  • por nunca terem aprendido a governar nos moldes do estranho sistema imposto e mais tarde deixado pelos colonizadores, um sistema em que eles não passavam de escravos (no verdadeiro sentido da palavra), ou de mão-de-obra e de colaboradores inferiores,
  • os Negros Africanos e as suas lideranças políticas não possuíam os pressupostos necessários para a governação de um estado. Foi nesse contexto de total despreparação que os líderes negro-africanos se viram de repente investidos nas funções de dirigentes políticos. A deterioração depois das Independências das estruturas herdadas da colonização é, como já pude referir, a expressão perfeita desta falta de saber, que continua hoje a manisfestar-se na dificuldade ou na incapacidade de construir um estado organizado.

    Um dos conceitos-chaves de funcionamento do sistema colonial é a burocracia (J. Osterhammel: 2003, p. 68). Em lugar das estruturas tradicionais africanas, a colonização implantou um sistema de governo e de administração assente na burocracia e num complexo grau de organização, para cujo manejo nenhum estado pós-colonial estava preparado. O exemplo seguinte, tirado do currículum de preparação do pessoal colonial britânico, pode ajudar a ter uma ideia do grau de competência que o governo de uma colónia requeria. O pessoal administrativo destinado ao Serviço Civil Indiano (Indian Civil Service – ICS) era seleccionado através de concurso público dentre os graduados das escolas públicas e universidades inglesas, principalmente Cambridge e Oxford. Dos testes do concurso faziam parte exames em Matemática, Latim e Grego, para, uma vez na Índia, serem submetidos a uma formação em Jurisprudência, nas línguas indianas. O Serviço Civil Indiano (ICS) era assim o símbolo da administração competente -- a aristocracia dos melhores (J. Osterhammel: 2003, p. 69). É com esse tipo de pessoal e de preparação que se geria o estado colonial com a sua complexa estrutura de Caminhos –de- ferro, Canais, Juntas de Estradas, Rede de telégrafos, Alfândegas, políticas monetárias, saneamento, urbanismo, etc. (Martin J. Murray: 1980, p. 21). Onde é que havia, na África -- gostaria de voltar a perguntar -- Negros com história e experiência de governação para herdar e gerir com competência política e administrativa um aparelho concebido nesses moldes?

    Dois aspectos importantes da destruição dos fundamentos socio-politicos e culturais da África Negra merecem ainda menção, embora rápida, antes de passar ao ponto seguinte desta minha apresentação: o primeiro é a política colonial da assimilação, que alienou e descaracterizou o Negro, e isto com proporções quase assustadoras nalguns poucos países da África Negra. O segundo são as fronteiras dos actuais estados africanos, negociadas na Conferência de Berlim (1884 - 1885), na base dos interesses das potências coloniais, separando tribos e impondo países lá onde nunca tinha havido nações (J. Osterhammel: 2003, p. 128).

    2. DESTRUIÇÃO DA AUTO-ESTIMA DO NEGRO AFRICANO

    Penso ter exprimido com clareza que a minha argumentação consiste em mostrar a colonização como causa histórica do actual subdesenvolvimento da África Negra e também dos Negros em geral. No ponto 1, esforcei-me assim por fazer ver como essa colonização impediu os Negros Africanos de se desenvolverem, abolindo os seus modelos tradicionais de organização socio-politica, económica e administrativa, substituindo-os por modelos coloniais (europeus), e, sobretudo, excluindo os mesmos Negros da comparticipação e gerência desses mesmos modelos. Nessa linha descrevi a crise actual da África Negra como dificuldade de adaptação e assimilação desses modelos pelos Africanos. No ponto 2, pretendo agora fazer notar como a colonização afectou o Negro psicologicamente, minando e enfranquecendo a sua auto-estima. Tentarei desenvolver esse ponto em duas alíneas.

    a) A teoria rácica da inferioridade dos Negros

    O rol de teoristas e ideólogos da política colonialista é longo e o seu único objectivo era provar que não havia mal moral algum em maltratar e escravizar o Negro. O Negro é, na verdade, mais uma mercadoria do que propriamente um ser humano. Ao rol desses teoristas pertencem filósofos e homens de letras europeus como Montesquieu, Voltaire, Cuvier, Gobineau, Lévy-Bruhl, David Hume e até Kant e Hegel. Para não emocionar o debate, e a título de ilustração, citarei apenas “flashes” dessa literatura redutora da dignidade do Negro. Por exemplo: «É impensável supôr que eles (os Negros) também sejam seres humanos“ (Montesquieu : “O Espírito das Leis”) ; “Os Negros da África não herdaram da natureza senão o gosto pelas parvoíces” (Kant: “Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime”); “… a sua inteligência nunca se elevou em parte alguma, a ponto de chegar a um governo regular” (Georges Cuvier, Paleontólogo francês: “Pesquisa sobre Ossamentos fósseis”).

    Parecendo que não, estas teorias - que não passavam de fabricações acientíficas, deturpando inclusivamente o rigor da Biologia e da Antropologia, cujo fim não era outro senão justificar e legitimar a colonização e a prática da escravatura - tiveram e ainda têm hoje efeito no comportamento e no desenvolvimento do Negro. O Negro Africano ainda não se libertou do complexo que este discurso lhe causou. Como diz uma autora: 'muitos colonizados aceitaram e assimilaram o preconceito de serem fracos por natureza…' (Judith E. Walsch: 1983, p. 60). É caso para dizer que a colonização acabou, mas o espírito que a animou sobreviveu (J. Osterhammel: 2003, p. 21).

    b) A escravatura

    Já tentei mostrar no ponto um deste meu estudo como a escravatura foi causa de subdesenvolvimento, provocando o abandono da agricultura e interrompendo o desenvolvimento manufactural no Reino do Congo e na África Negra em geral. Na presente alínea pretendo fazer notar brevemente como a escravatura também contribuíu para a destruição da auto-estima do Negro e a falta de confiança no seu próprio valor. É discutível a data em que terão sido levados os primeiros escravos Africanos para a Europa ou para as Américas, mas o que é facto é que entre os anos 1533 e 1534, apenas 51 anos depois da chegada de Diogo Cão ao Reino do Congo, a captura de escravos já era prática colonial mais do que intensa. Um testemunho dá conta do que já nessa época representava a escravatura em Portugal e diz: “Tudo está cheio de escravos, e todo o trabalho caseiro é feito por negros (…), com os quais Portugal está atufalhado, de tal modo que eu creio que em Lisboa encontram-se mais escravos e escravas deste tipo do que portugueses livres”. “Dificilmente encontrarás uma casa – continua o testemunho - que não possua pelo menos uma pequena escrava. Os ricos possuem vários de ambos os sexos, que fazem tudo, mas realmente tudo, e que só pela sua forma (vertical) se distinguem dos animais domésticos” („Sklavenhandel“, Microsoft® Wikipedia® 2006).

    Sem querer minimizar os seus aspectos comerciais, direi que os efeitos psicológicos mais importantes da escravatura na auto-estima dos Negros de hoje advêm daquilo que os escravos representavam e a maneira como eram tratados (ou maltratados). Conforme pude dizer na alínea (a) do presente ponto, o escravo não era tratado como pessoa, mas sim como coisa, como mercadoria e propriedade do seu dono. O escravo comprava-se, vendia-se, trocava-se ou também se matava. Os escravos que sobrevivessem ao desumano transporte aos montes em navios negreiros eram armazenados em barracões, enquanto no dia-a-dia a sua capacidade humana de trabalho era sugada até à exaustão, sendo o chicote o meio de estímulo ao trabalho. Antes, porém, eram ferrados (isto é: marcados com ferro em brasa), para se saber de quem é que eram propriedade. Àqueles que tentassem evadir-se, amputavam-se-lhes os membros ou eram publicamente enforcados, para desencorajar novas tentativas de fuga. Nem as crianças escapavam a esse género de suplício; para deixar de gerar filhos para a escravidão, as mulheres desenvolviam os mais arriscados métodos de aborto, não sendo raro os escravos se suicidarem, como única forma de recuperar a liberdade („Sklavenhandel“, Microsoft® Wikipedia® 2006). Permitam-me fazer neste ponto uma breve comparação: maltratai uma criança, acorrentai-a (no verdadeiro sentido da palavra), ferrai-a (com ferro em brasa), vendei-a ou trocai-a, submetei-a ao chicote e ao trabalho forçado, e repeti-lhe durante toda a sua vida que ela é por natureza inferior aos outros, e dizei-me se essa criança crescerá normal, saudável e desenvolvida. E se essa criança vier a gerar filhos nesse estado e os filhos crescerem também eles nessa condição, dizei-me se esses filhos também poderão crescer normais, saudáveis e desenvolvidos. Esta é, a meu ver, a condição da África Negra e de todos os filhos que ela gerou, isto é, de todos os Negros, mesmo aqueles que vivem no Ocidente e noutras partes do mundo.

    3. A COLONIZAÇÃO COMO CAUSA HISTÓRICA DA GUERRA

    É evidente que em várias ex-colónias da África Negra a guerra contribuíu sobremaneira para a destruição das infra-estruturas deixadas nelas pela colonização e consumiu (e nalguns casos continua a consumir) esforços, dinheiro e até vidas humanas que poderiam ter sido investidas no desenvolvimento socio-politico e económico do continente. No caso de Angola, não quero aventurar-me a dissertar sobre as rivalidades (de qualquer tipo que seja) entre os três Movimentos de Libertação Nacional, nomeadamente o MPLA, a UNITA e a FNLA, e muito menos sobre “quem”, “como” e “quando” começou ou recomeçou essa guerra. Também não pretendo ocupar-me do modo como o fim da guerra colonial foi negociado, nem com a maneira mais ou menos apropriada como Portugal terá concedido a Independência a Angola. O meu interesse continua também aqui a ser a causa histórica dessa guerra, e por isso gostava de fazer as seguintes peguntas: Porque é que surgiram os três Movimentos de Libertação Nacional? Ou seja: qual foi a causa do surgimento desses Movimentos de Libertação Nacional? Não é verdade que surgiram todos eles para combater o colonialismo e a colonização? Teria então havido Movimentos de Libertação Nacional e, consequente e posteriormente, guerra entre eles, se não tivesse havido colonialismo e colonização em Angola? É certo que essa guerra conheceu depois várias fases e novos contornos, e, como escreveram os Bispos Católicos de Angola, aquilo que foi feito para a guerra terminar não foi antes feito para ela não recomeçar (Cf. Bispos Católicos de Angola: Sobre os últimos acontecimentos político-militares; a Pátria está de luto, 30.11.1992.), mas será contra a verdade afirmar que a colonização foi a causa histórica dessa guerra? E a propósito: como podia Portugal, em 1975, ajudar a construir a paz e a cultura eleitoral em Angola, se Portugal mesmo era ainda até 1974 uma ditadura? Para encerrar o tema da guerra, acrescentarei só mais o seguinte dado: a colonização é também causa histórica de muitas outras guerras que hoje impedem o desenvolvimento em outras ex-colónias do continente africano. Veja-se o exemplo do Ruanda e do Burundi, onde a guerra entre Hutus e Tutsis é consequência da política colonial e rácica belga, que decidiu e promoveu a superioridade de uma tribo sobre a outra, baseando-se nas aparências ou diferenças de uns e outros com relação à raça branca.

    4. QUE SOLUÇÕES E QUE PERSPECTIVAS?

    Nos três pontos precedentes da minha apresentação, procurei expôr do seguinte modo aquilo que eu considero serem as causas históricas do sub-desenvolvimento da África Negra: primeiro: O sistema e os modelos socio-políticos e económicos tradicionais de África foram desestruturados e substituídos por modelos socio-politicos e económicos coloniais, desconhecidos à tradicao e cultura africanas; com isso morreu a experiência de governação que a África vinha fazendo e se impediu a acumulação do que eu chamei de “saber colectivo inconsciente”, tanto na política como na administração; segundo: Os Negros Africanos não aprenderam a governar nos modelos do estranho sistema imposto e mais tarde deixado pelos colonizadores, uma vez que nesse sistema os mesmos Negros não passavam de mão-de-obra e de colaboradores inferiores. O colapso da África Negra e a deterioração depois das Independências do que nela tinha ficado do investimento colonial é, como tentei fazer notar, expressão da ignorância não culpável das lideranças africanas (ponto 1). Outra causa do subdesenvolvimento dos Negros é de ordem psicológica, e consiste na sua auto-estima ferida, como consequência do discurso rácico colonial sobre a sua pretensa inferioridade natural e das agruras morais herdadas do tratamento esclavagista (ponto 2); as guerras são outra causa colonial do subdesenvolvimento da África Negra (ponto 3). Agora pretendo modestamente fazer algumas breves propostas de solução, na verdade mais para encorajar a procura responsável e sistemática dessas soluções de que a África Negra urgentemente precisa. Tentarei dar essa minha modesta contribuição em duas vertentes. A propósito: na reflexão sobre as causas do subdesenvolvimento da África Negra podia ter referido também o Comunismo, mas isso poderá ser tema para outros estudos.

    Julgo pessoalmente que é irrealista - e esta é a primeira vertente da minha contribução - e não trará qualquer contributo visível, pretender que em pleno séc. XXI a África Negra conseguirá impôr outro conceito de desenvolvimento, diferente daquele que a Europa e o Ocidente entendem como tal. Se os modelos tradicionais africanos de desenvolvimento tivessem seguido a sua evolução gradual, sem serem violentamente destruídos pela colonização, a África Negra não estaria hoje na crise em que se encontra. Mas o erro da abolição violenta desses modelos pela colonização foi cometido, e agora é preciso saber gerir as suas consequências.

    Na minha opinião, a África Negra não terá assim outra chance para se desenvolver, senão aprender a lidar com os novos conceitos de administração pública e boa governação, que são fundamental e, diria, infelizmente, de origem ocidental, já que, como diz um autor, “a colonização universalizou (eu diria “impôs”) o conceito europeu de estado” (J. Osterhammel: 2003, p. 76). A particularidade e a garantia de sucesso de aplicação desses modelos será todavia a sua adaptação, o seu respeito pela cultura e índole próprias de cada povo, bem como o diálogo com as suas tradições e esquemas de pensamento. O povo da aldeia pode (e até deve) aprender a ler e a escrever, ser instruído na cultura do banco e do computador, e ao mesmo tempo permanecer fiel e orgulhoso da sua cultura e das suas tradições. Ao respeito pelo povo e pela sua índole e cultura, na adaptação de modelos ocidentais, pertence também, a meu ver, a capacidade de exigir respeito pela soberania e dignidade nacional, em todas as suas expressões. Neste sentido, apraz-me mencionar o exemplo digno de imitação da Igreja Católica de Moçambique, que, prudente, mas firmemente, fez saber aoVaticano, que já não aceitava para o país nomeação a não ser de Bispos moçambicanos ( Cf. Bispos Católicos de Moçambique: Carta Pastoral, n° 3, 1996).

    Se eu tivesse de resumir numa frase - digamos - terra-terra o que quis dizer nas linhas que precedem, diria: as lideranças africanas precisam de aprender a governar um estado (porque isso nos foi tirado e negado pela colonização). Como fazer isso na prática?. Pessoalmente, no caso de Angola, e como uma primeira sugestão, gostava de propôr a criação de uma Escola Superior de Política e Boa Governação. Através de conteúdos políticos, humanos, psicológicos, mas também éticos, a vocação e o espírito dessa escola seriam responder à pergunta: O que é governar?

    Vidiadhar S. Naipul, homem de letras de origem indiana e Prémio Nobel de Literatura 2001, escreveu: “O homem colonial, em qualquer sociedade que seja, é produto de uma revolução, e essa revolução acontece na consciência” (1972, p.37). Esta citação sucinta, mas pertinente introduz a segunda vertente da minha contribuição. Foi na consciência e na atitude dos Negros que a ideologia colonialista actuou, para tornar a África Negra e o Negro naquilo que eles são hoje, e é, por isso, também na consciência, na atitude, isto é, na maneira de pensar, que se deverá decidir o desenvolvimento de África. Neste sentido, Nikolaus Werz fez uma afirmação interessante: tirando - diz ele - os movimentos da Teologia de Libertação e da Economia da Depedência dos anos 60 e 70, na América Latina, nunca mais o Sul desafiou o Norte com qualquer corrente de pensamento (1991, cap. 4 e 6). Um outro autor acrescenta que antes disso, as últimas correntes a desafiar o Norte tinham sido animadas por figuras como Mahatma Gandhi, Nehru, Mao Tsé Tung, Ho Chi Minh, Jamal ad-din al-Afgani, Franz Fanon, Kwame Nkrumah e Léopold Sedar Senghor (H. Gollwitzer: 1982, p. 322). Estas afirmações indicam para a necessidade de uma reflexão profunda e sistemática sobre o problema do subdesenvolvimento da África Negra.

    Nessa reflexão profunda e sistemática sobre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento da África Negra, terão de se usar, a meu ver, e para terminar, os mesmos veículos que a colonização usou para inocular nos Africanos o complexo e promover o subdesenvolvimento mental, através da política da assimilação e da alienação. Esses veículos são (ou foram) nomeadamente a escola, os missionários e as instituições do estado (J. Osterhammel, 2003, p. 106). Seja como fôr, estou convencido de que essa revolução para uma nova atitude de consciência nos Negros terá de ser assumida como política de estado, para produzir o necessário resultado. Na elaboração dessa política será indispensável integrar as Autoridades tradicionais, que são a depositária da experiência e do como a África Negra era governada e administrada antes da colonização. A pergunta a partir deste ponto da reflexão é a seguinte: como elaborar na prática essa política? A África Negra ainda pode salvar-se. Os Negros podem ser respeitados. Mas é preciso, a partir de agora já, investir tudo o que fôr necessário na criação, nos dirigentes e nos dirigidos, desta nova maneira de pensar.
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    Notas:

    1. M. Kalemba faz uma comparação semelhante com relação ao Brasil, depois de 150 anos de Indepedência (“Quo vadis Angola”, Microsoft® Angoenciclo® 2006).

    1. O ano 962 é considerado o ano da fundação da Nação alemã, ano em que, no dia 2 de Fevereiro, Otão I foi coroado pelo Papa João XII Imperador do Sacro Império Romano-Germânico (“Deutschland”, Microsoft® Wikipedia® 2006).

    BIBLIOGRAFIA

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    - „Kolonization“, Microsoft® Wikipedia® 2006.
    - “Kongo Reich”, Microsoft® Wikipedia® 2006.
    - “Mali”, Microsoft® Wikipedia® 2006.
    - “Quo vadis, Angola”, Microsoft® Angoenciclo® 2006.
    - “Sklavenhandel“, Microsoft® Wikipedia® 2006.

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