04.11.05
O que é uma Enciclopédia?
Como primeiro "Artigo de Reflexão" da nossa página de internet
achei que não era má ideia escrever sobre "o que é
uma enciclopédia". O objectivo não é preencher a
página nem contar a história exaustiva da Enciclopédia.
Na fase em que o nosso Projecto entrou, achei que as poucas e
singelas ideias que vou aqui partilhar poderiam inspirar um ou
outro, ajudando talvez a recordar coisas já sobejamente
sabidas. Vou começar, pois, o meu artigo da seguinte maneira:
A palavra "enciclopédia" vem do grego. "En" corresponde
à preposição portuguesa "em"; "kyklos" significa "círculo",
enquanto "paideia" quer dizer "ensino", "conhecimento", "formação"
e "educação". Etimologicamete a palavra "enciclopédia"
podia, assim, ser traduzida como uma "cadeia", "corrente" ou "concatenação"
de todos os conhecimentos. A história do vocábulo
e da edição de enciclopédias remonta aos tempos antes de
Cristo, mas a Enciclopédia que ficou mais conhecida na
história da intelectualidade é a "Enciclopédia
descritiva das Ciências, Artes e Profissões", obra de dois
eminentíssimos estudiosos franceses: o filósofo
Denis Diderot e o matemático Jean d'Alembert.
Editada entre os anos 1751 e 1780, essa Enciclopédia foi
produzida em 35 volumes e representou o expoente máximo
da ambição intelectual, do espírito crítico e da
fluidez disciplinar do Iluminismo francês. No artigo "Enciclopédia"
da referida obra, Diderot propõe-se como tarefa académica
"recolher numa única obra todos os os conhecimentos existentes
sobre a face da terra e transmiti-los aos homens de modo sistemático"
para que "o trabalho dos séculos anteriores não seja inútil
para os séculos vindouros, a fim de os nossos netos sejam
não só mais bem formados, como também mais virtuosos
e mais felizes, e a fim de que nós não morramos sem termos
merecido viver".
"Enciclopédia das Ciências, Artes
e Profissões" estava longe de ser um simples magazin. Ela representou
a "introdução à Revolução Francesa", como dirá mais
tarde Ropespierre, e criou na França daquele tempo e no mundo
inteiro uma nova mentalidade e um intravável e positivo
movimento de mudança, que marcou esse mesmo mundo até aos
dias de hoje. Todos sabemos da positiva revolução que através
do canal metódico e científico da Enciclopédia
aconteceu na França e no mundo graças às ideias de pensadores
como Rousseau, Holbach, Voltaire, Montesquieu, Condorcet, Jacourt
e Suzanne-Marie des Vivants, a única mulher na falange
dos ilustres Enciclopedistas do Século das Luzes. Grande
parte do nome e do respeito de que a França goza no mundo de hoje
é tributo do génio criador e futurista desses cérebros.
Como devem ser escritos os artigos da Enciclopédia?
Julgo poder dizer que o melhor do saber, do talento e do rigor
dos Enciclopedistas deverá ser posto carinhosamente ao
serviço da nossa obra, a fim de que ela seja apresentada aos leitores
e ao país com a qualidade académica e a autoridade
intelectual que uma obra desta natureza deve ter. Quais são, pois,
os critérios académicos com base nos quais deverão
ser concebidos e redigidos os artigos da Enciclopéda ?
Uma vez mais, vou rechear esta alínea com um pertinente
apontamento de Diderot, que dizia:
Ao escrever, é preciso.
· "expôr bem a metafísica das coisas, para que tudo
fique depois mais certo e mais claro;
· indicar as razões das coisas, quando as há;
· designar as causas, quando são conhecidas;
· mostrar os efeitos, quando são certos;
· resolver as principais dificuldades através do uso dos
princípios imediatos; fundamentar a verdade;
· pôr os erros a descoberto;
· ensinar as pessoas a desconfiar e a dar tempo ao tempo;
· distinguir:
- o verdadeiro do falso;
- o verdadeiro do verosímil;
- o verosímil do maravilhoso e do incrível;
- os fenómenos correntes e os acontecimentos certos, dos
duvidosos;
- os casos duvidosos, dos paradoxais e dos que contradizem a ordem
natural.
· perceber o curso geral dos acontecimentos ;
· tomar cada coisa tal como ela é e, assim,
· infundir horror à mentira e ao vício, e, em lugar
disso, cultivar o amor pela virtude e a alegria pela ciência".
Para além destes pressupostos de ordem fundamental, os
artigos deverão reunir, como é evidente, outros requisitos
relativos à forma, tais como a correcção literária,
a ordem no pensamento, o rigor na estrutura, o esmero na formulação
e a limpidez no discurso. A elaboração do artigo evitará
a mediocridade e fugirá à redacção prolixa, ao estilo
complicado e à argumentação confusa, que levam o leitor
a perguntar-se permanentemente "o que é o articulista queria
dizer". A Comissão de Língua Portuguesa oferecerá
os seus serviços quanto a esta matéria, mas é importante
que os artigos iniciais estejam tão bem construídos, que
o trabalho de correcção não seja mais do que um exercício
para aparar a forma e apurar a beleza literária, como é
normal até nas maiores obras do mundo. Não é de
somenos importância recordar a nacessidade do rigor na investigação,
recorrendo a arquivos e fontes histórico- literárias
autorizadas, que na maioria dos casos requererão influências
pessoais decisivas.
Conclusão
Primeiro:como ficou dito no texto principal do Projecto, a nossa
Enciclopédia pretende escrever e ajudar a pensar o país.
Depois de expôr os necessários fundamentos gerais
e científicos dos conceitos, quando assim o assunto o exigir,
o artigo deverá aterrar no contexto real do país,
enfrentando com o maior profissionalismo e prudência possível
todas as implicações que o artigo tenha na história, política,
economia, sociedade ou cultura de Angola. Evitaremos artigos vagos
ou deturpadores da verdade. Todos os artigos deverão ter a ver
o mais possível com a realidade angolana. Se assim não
fôr, a Enciclopédia terá falhado o seu objectivo!
Segundo: para perefrasear Diderot uma vez mais, não é demais
recordar que uma Enciclopédia é uma obra levada
a cabo por uma sociedade de eruditos que trabalham juntos, mas
ao mesmo tempo separados, cada um na sua área, unidos simplesmente
pelo sentimento da simpatia recíproca. Para tal è
necessário bastante entusiasmo, mas principalemte muita
tenacidade. Precisamos também de muita gente, tempo, muito
talento e também dinheiro, a fim de podermos triunfar sobre
as dificuldades que surgirão no caminho do Projecto. Para além
disso, é bom não perder de vista que o nosso Projecto é
uma daquelas obras que têm de ser concebidas, trabalhadas
e terminadas dentro de um determinado espaço de tempo. De outra
maneira, as ideias envelhecem e o eufórico interesse inicial
enfraquece de dia para dia, e acaba por morrer completamente.
Por último: pela sua dimensão e ambição, este Projecto
é agora obra de todos aqueles que nele desejarem colaborar.
Para isso estão todos, mas todos mesmos convidados. E todos são,
por isso e desde já, muitíssimo bem-vindos. E a
nós, Enciclopedistas, mãos à obra, com a dedicação
e a competência que sei que possuimos.
P. Benedito Cangeno
Director do Projecto
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