P.José Afonso Moreira

No dia 8 do corrente, no Bailundo, foi barbaramente assassinado o P. José Afonso Moreira, Missionário português da Congregação do Espírito Santo. Publicamos a seguir o relato de uma idónea testemunha.

 O CRIME CONTINUA À SOLTA EM ANGOLA.

Relato das fatídicas ocorrências que vitimaram o
PADRE JOSÉ AFONSO MOREIRA, missionário Espiritano
(Por Padre Bernardo Bongo*)




1.- Antecedentes.

1.1.- A trágica morte, por assassinato, do Missionário Espiritano Padre José Afonso Moreira, só será suficientemente 'entendida' se os Serviços de Investigação Criminal tiverem em consideração os factos ocorridos nos últimos 5 ou 6 anos. Na hora em que passamos para o papel este breve apontamento, sabemos que já se encontra a contas com a justiça um tal senhor conhecido pelo nome de Sabino, capturado no dia 9 de Fevereiro, nas áreas da Comuna do Lunje ( a 40 Km, como se diz, do Lunje, em casa de seu avô, soba da região).

1.2.- O senhor Sabino, em tempos foi membro do SINFO. À boca cheia e repetidas vezes proferiu ameaças contra o Padre Afonso Moreira: ao longo dos últimos 5 a 6 anos não se cansou de dizer frases como esta: "Este ano, ou morre o Padre ou morro eu"!

1.3.- No ano 2000, houve um ataque nocturno à residência da Missão, os assaltantes, armados, gritavam : "Onde está a roupa? O padre tem dinheiro, o padre dorme em cima, o padre está dentro, hoje morre mesmo…". Houve um intenso tiroteio que obrigou o Padre Afonso Moreira a ' refugiar-se' na torre da Igreja e aí acomodar a sua cama, juntamente com o Catequista que sempre fez companhia ao Padre. Sabe-se que o Sabino levantou queixas contra vários Catequistas da Missão, hoje desaparecidos, mortos. Fala-se de 10 catequistas e um Seminarista. Quem viajasse com o Padre, era acusado de 'portador de informações' do então chamado "outro lado" ou simplesmente " inimigo". Numa certa ocasião, de dia, empunhando uma catana, o Sabino ameaçou de morte o Padre Afonso Moreira, na presença de muita gente, junto à Igreja da Vila do Bailundo.

1.4.- Há bem pouco tempo, por motivos que as Autoridades conhecem, o Sabino esteve na prisão. Mas foi 'libertado' pelo Procurador da Justiça da Comuna do Bailundo, Senhor Gabriel Cahála. Diz-se que uma vez fora da prisão, o Sabino aumentou as ameaças contra o P. Afonso Moreira, de quem o Sabino recebeu diversas ajudas.

2.- O assassinato

2.1.- Quarta-feira, dia 8 de Fevereiro. Nesse dia, o Padre Afonso Moreira trabalhou, como de costume, em diversas actividades. À noite, após a habitual recitação do Terço do Rosário com o Catequista e as 3 Meninas que dormiam num dos quartos do rés-do-chão, pelas 19h00, o Pe Afonso Moreira subiu ao quarto de dormir e recomendou que lhe levassem água quente para o chá. Uma vez no quarto de dormir, preparou-se vestindo o seu pijama branco. Não se meteu por debaixo dos lençóis. Teria estado a ler um jornal, à luz do candeeiro (de energia solar), que ficou aceso até pela manhã, apagado só quando o Padre foi encontrado morto. Enquanto o Padre espera pela água quente de chá, lá em baixo, no rés-do-chão, aparecem dois homens armados que gritam: "Onde está o Padre? Onde está o dinheiro? Onde estão as chaves...?". A primeira pessoa a ser interpelada sob ameaças de morte foi o Catequista, imediatamente amarrado com corda fina de atacador de botas e deitado ao chão.

Foi-lhe apontado o cano de uma arma, "onde está o dinheiro do Padre? Onde estão as chaves…?"

O Catequista ouve tiros bem perto de si: teria sido o arrombar de uma das portas do refeitório ( no rès-do-chão ). Momentos depois, há tiros no 1º andar. Pareceu ao Catequista que teria entrado um grupo maior, dado o aumento do ruido e/ou algazarra. A dada altura, o Catequista vê-se só e consegue sair do local das ameaças e foge para fora da residência.

2.2.- O tiroteio intensificou-se, não só dentro da casa como também fora dela, facto que originou muitos cuidados e preocupação por parte da Irmãs cuja residência se situa mais ou menos a 500 metros de distância. Por volta das 23h00, terminou o tiroteio na Missão, mas nada se podia fazer para se saber da sorte do Padre Afonso Moreira. Foram cinco horas de confusão, tiros e saque na residência e no quarto do Missionário.É estranho considerar que o ruído dos tiros foi identificado por muitos moradores da Vila do Bailundo como tendo provido da Missão, a 7 Km de distância, mas não houve nenhuma 'reacção' por parte seja de quem fosse.

3.- Quinta-feira, dia 9 de Fevereiro. Pelas 5h00 desse dia, as Irmãs de S. José de Cluny movimentaram-se com muita rapidez para comunicar a triste ocorrência às Autoridades Municipais do Bailundo. Contactaram a Senhora Administradora da Comuna do Bailundo, a Polícia, o Hospital do Bailundo. Foi, então, que a triste notícia começou a espalhar-se, graças aos prestimosos serviços do Director do Hospital que tinha a rede da Movicel em funcionamento.

O Senhor Arcebispo, acompanhado de alguns membros do Clero, chegou à Missão do Bailundo pelas 10h30. Encontraram já a Senhora Administradora do Município na Missão, com outras Auroridades locais. Iniciou, então, o serviço de verificação e tratamento do cadáver do P. Afonso Moreira que ficou fatídicamente maltratado: ao que parece foi morto com uma rajada de balas no pescoço (do lado esquerdo), cujos sinais se verificam nos furos ou buracos na cama ( sete buracos). Ficou o corpo vergado para a parte oposta à cabeceira. Há fotografias de que a Polícia já recolheu alguns exemplares para completar o dossier de investigação.

De fontes fidedignas sabe-se também que o grande buraco no pescoço do extinto Missionário teria sido aberto (aumentado?) com um facalhão, já em posse da Polícia de Investigação Criminal que se deslocou à Missão e residência do Padre morto. No dia seguinte, antes do funeral, a equipa da Polícia de Investigação apareceu reforçada com elementos vindos da cidade do Huambo. Aguardam-se explicações autorisadas dos Investigadores !

4.- Sexta-feira, dia 10 de Fevereiro. Pelas 10h00 fechou-se a urna, enquanto se aguardava a chegada das Delegações que vieram ao funeral. A Missa iniciou às 13h45 horas, seguida do funeral. Muita, muita, mas muita gente esteve presente: a população da Missão do Bailundo, da Vila do Bailundo, Delegações das dioceses, nomeadamente Kwito-Bié, Benguela-Lobito, Luanda, Huambo... Presidiu ao acto fúnebre o Senhor Arcebispo do Huambo, D. José de Queirós. Esteve presente e concelebrou o Senhor D. Benedito Roberto, Bispo do Sumbe, que falou à Assembleia em língua Umbundu; Estavam presentes 42 Sacerdotes que concelebraram, 5 Diáconos e muitas dezenas de Religiosas e Religiosos da Arquidiocese e de outras Dioceses acima já mencionadas. Outras presenças escapam-nos, mas anotámos o conforto de solidariedade de membros do Governo, Deputados e uma massa incontável de fiéis e bem assim representações de Igrejas Irmãs e Partidos políticos. No cemitério, pela ordem que segue, usaram da palavra: o Rvdo.Afonso Júnior Dumbo, Representante da Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA) que falou também em nome das Igrejas Irmãs; o Rvdo. Padre Venâncio Branco, enviado do Senhro Bispo de Benguela D. Óscar Braga; o Secretário do Comité Municipal do Partido MPLA do Bailundo; a Senhora Beatriz Tutuvala Filipe, Administradora do Município do Bailundo; o Deputado Senhor Dr. Adelino António; e, a finaalisar, o Provincial dos Espiritanos, Padre Lourenço Ndjimbo.

5.- Sábado, dia 11 de Fevereiro deslocou-se à Missão do Bailundo o Padre Provincial dos Espiritanos, acompanhado pelo P. Bongo. Domingo, dia 12 de Fevereiro, o P. Bongo foi ao Bailundo e celebrou duas missas: na Vila , às 8h30 e na Missão às 10h30.

Em Agenda: dia 14 de Fevereiro - Terça-feira : - encontro com os Catequistas que poderem estar presentes na Missão, às 9h00. Dia 15 de Fevereiro - Missa de 7º Dia (na Vila às 7h00; na Missão às 9h00).


* P. Bernardo Bongo, Primeiro Superior da Congregação do Espírito Santo em Angola, ex-Vigário Geral da Jamba, ex-Conselheiro Geral da sua Congregação em Roma, e actualmente Director do Seminário Maior da mesma Congregação, no Huambo.

Breve nota biográfica sobre o P. José Afonso Moreira:
26 de Janeiro de 1926 : nasceu em Vila Real, Portugal

23 de Dezembro de 1950 : Ordenado Sacerdote
Outubro de 1951: chega a Angola
Janeiro de 1963 : chega à Missão do Bailundo, onde passou todas as guerras com o povo.
16 de Setembro de 2001 : Bodas de Ouro Sacerdotais
08 de Fevereiro de 2006 : assassinado (com 80 Anos e 13 dias )

Palavras do P. Afonso Moreira nas suas Bodas de Ouro em 2001:
" Celebrar um jubileu sacerdotal de Bodas de Ouro, no Senhor, é pôr-se de joelhos diante d'Ele, porque não há palavras para exprimir o meu agradecimento a Deus.
 
P. José Afonso Moreira
Ele me chamou. Eu aceitei. Ele prometeu estar comigo até ao fim.Prometeu e cumpriu. Prometeu dar-me um Anjo da Guarda para me guiar, amparar e defender.E até hoje, tudo tem sido como Ele assim o quis. Obrigado, Senhor, porque me chamaste. Obrigado, Senhor, porque me amparaste nas horas boas e nas horas más. Obrigado, Senhor, porque me deste Tua Mãe, para minha Mãe "

"O P. Moreira deu um autêntico testemunho de Missão" (Angolanos em declarações à Agência Vaticana, Fides).
"O P. Moreira não fugiu às responsabilidades decorrentes da sua vocação missionária; gastou-se até à última gota" (Jean-Paul Hoch, Superior Geral da Congregação do Espírito Santo).
"O P. Moreira foi um Missionário com "M" grande" (Acção Missionária, Lisboa).
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